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5 de março de 2013

As teorias e os princípios das penas


A cela em que o norueguês Anders Breivik, que assassinou 76 pessoas e deixou outras 97
feridas, permanecerá preso.

A Pena pode ser compreendia, segundo Fernando Capez, como:
“Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade.”
Também podemos compreender a pena como uma reação natural da sociedade imposta aquele que comete uma ação contrária ao que é prezado como correto pelo nosso corpo social, seja por meio jurídico (pela mão do estado) ou pelo meio social (por intervenções morais, éticas e sociais).
Não vejo a pena como algo que se define em sua significado de origem (do grego poine, que significa castigo, dor, punição, sofrimento, vingança), mas como um instrumento essencial que deve ser utilizado além do prezado em sua natureza etimológica. Já passamos, ou deveríamos ter passado, do período histórico em que a natureza do direito penal era apenas punitiva, uma vingança, que não passava se um sentimento individualista. Mesmo na teoria relativa podemos constatar um caráter meramente individualista, advinda de um passado egocêntrico.

O direito penal brasileiro encontra-se em um processo gradativo de evolução e espero que a reformulação que veremos nos próximos anos reflita as necessidades relativas ao nosso tempo.

Nosso direito penal divide as penas em duas teorias básicas: A teoria absoluta das penas e a teoria relativa das penas.

Para a teoria absoluta a pena não passa de um elemento de vingança por parte da vítima de um crime. Algo meramente emocional, que visa, de maneira insatisfatória, alçar algum tipo de justiça contra um fato típico e antijurídico praticado. Não devemos deixar de constatar a dor e o sofrimento da vítima ou dos próximos a ela que, por ventura, também tenham sofrido os efeitos dos crimes. Eles devem ser confortados pela dor causada, mas na atualidade temos outros meios de tratar tal ferida, por meio da psicologia, por exemplo.

A simples compreensão da pena como um meio de vingança não irá tratar de reverter o fato causado, gerando apenas mais sofrimento e, na maior parte das vezes, potencializando os efeitos negativos de um crime. Essa visão ainda carrega consigo um problema social, já que, sendo vistos como transgressores punidos pelo Estado, os egressos do nosso sistema penitenciário acabam sendo vistos pela sociedade como eternos desgarrados sociais, limitando suas oportunidades e deixando o crime como única opção de sobrevivência.

Jean Valjean executa sua pena de trabalhos forçados na última adaptação cinematográfica
da obra de Victor Hugo
Tomando a liberdade de recorrer a um registro literário, recorro-me a história de Jean Valjean, personagem do livro Os Miseráveis, do escritor francês Victor Hugo. Valjean foi preso por roubar um pedaço de pão, sofrendo com os efeitos de uma pena meramente punitiva, nos moldes da escola de Auburn (trabalhos forçados durante o dia e prisão durante a noite). Cumprindo a sua pena e saindo novamente para encarar a liberdade, o personagem de Hugo, acaba por ver um mundo em que, em virtude de seu passado criminal, a sociedade não lhe dá nenhuma oportunidade e ele acaba transgredindo de maneira ainda mais enfática para suprir suas próprias necessidades. O Brasil está repleto de Jean Valjean’s, mas que, diferente do personagem, não encontram alguém capaz de dar-lhe uma oportunidade efetiva de mudança.

Já para a teoria relativa, a pena é vista como um elemento que prezará pela prevenção do cometimento de novos atos indesejados. Sendo uma teoria meramente utilitarista, que se baseia na proteção de todo o resto da sociedade apenas, pouco se importando realmente com a situação do infrator, ela se divide em outras duas teorias: A teoria relativa geral e a teoria relativa específica.

Para a teoria relativa geral, a efetivação das prisões causam um efeito preventivo na sociedade, que vendo a punição do infrator irá enfrentar uma situação de medo, não cometendo atos ilícitos por mero medo da pena.

Uma prisão brasileira qualquer.
Já para a teoria relativa específica, a punição de um indivíduo que cometeu um crime irá prevenir que esse indivíduo cometa novos crimes enquanto enfrenta o seu cerceamento de direitos.

Encarando essa teoria como meramente utilitarista poderíamos então formular as penas de prisão perpétua ou de morte como soluções para evitar, de modo diferente para cada vertente da teoria relativa, o cometimento de novas infrações. Mas estaríamos apenas pagando o sofrimento pelo sofrimento com tais penas, optando pelo caminho mais fácil a ser seguido, que, em ambas as situações, não pode ser considerado o caminho mais moral, ético ou correto. Não podemos abraçar tais ideias, que representariam uma regressão as conquistas que obtivemos como humanidade ao longo dos últimos séculos.

A corrente utilitarista geral (fora do direito) vem perdendo espaço cada dia mais, principalmente em campos como a educação e a medicina, enquanto que uma corrente humanista vem ganhando força, impulsionado, principalmente, pela Declaração dos Direitos Humanos Universais de 1948.

O direito brasileiro ainda encontra-se atrasado, recorrendo a correntes utilitaristas, mas deve nos próximos anos alçar condições condizentes com tal mudança na consciência mundial.

Por mais que sejam culturas extremamente diferentes, podemos utilizar o exemplo dos países nórdicos que, até poucas décadas atrás, eram reconhecidos como nações que prezavam pela violência, até com caráter honroso. Mas tais países, como Noruega, Finlândia, Islândia e Suécia, gradualmente obtiveram uma mudança cultural, por meio de reeducação, e hoje encontram-se no rol dos países menos violentos do planeta.

Ela não travaram apenas uma reeducação aos presos, mas à própria sociedade. Reumanizaram os transgressores (o inverso ao que é proposto pelo sistema brasileiro, que acaba por desumanizá-los).

A Noruega pode ser vista como exemplo maior disso. Basta uma rápida busca no Google e veremos o tratamento disponibilizado ao “pior criminoso europeu da última década”, Anders Brevik, que matou diversos jovens em um acampamento político e, hoje, passa pelo sistema norueguês de recuperação que apresenta resultados altamente positivos. Breivik foi visto como um monstro por grande parte do mundo, mas para os noruegueses, mesmo os que sofreram a perda de entes queridos, ele é visto como um humano que cometeu um crime. Não podemos garantir que Anders irá se recuperar, mas as chances são altas.

Breivik executa o Sieg Heil, famoso sinal nazista.
Também tomo a liberdade de citar outro exemplo cultural. Desta vez o filme “A Outra História Americana”, em que um criminoso neo-nazista é preso e, graças a um trabalho de recuperação não oficial (efetivado por um ex-professor e um colega de trabalho, ambos negros), consegue se reeducar e deixar sua velha raiva para trás. Assim como no exemplo do livro de Victor Hugo, também estamos cheios de criminosos como Derek Vinyard, o neo-nazista citado, em nosso país. Pessoas que apenas precisam do conhecimento ou da oportunidade certa para que possam retornar ao seio social.

Em A Outra História Americana, o neo-nazista Derek Vinyard (Edward Norton) consegue se
reeducar na prisão, mesmo sem uma intervenção direta do Estado, com a ajuda
de seu ex-professor e de um companheiro de trabalho, ambos negros.
Não podemos negar a presença de pessoas as quais a reeducação é altamente improvável, mas “é preferível inocentar um culpado do que penalizar um inocente”, como disse um certo professor em uma aula de Direito Penal.

Acredito piamente que a reeducação e o humanismo são as únicas formas de realmente tornar a teoria relativa aplicável.

Gostaria de finalizar apenas frisando a importância que o debate dessas teorias tem, já que são essas visões que trarão para a prática a vital mudança necessária para que possamos, no futuro, conviver em uma sociedade mais segura e pacífica. Dentro desse quadro, a teoria absoluta deve ser amplamente ignorada, utilizando outros modos para dar o conforto necessário às vítimas.

Também não citarei a importância e a necessidade de uma mudança política para a efetivação de tais mudanças, pois, além do excesso de espaço que já utilizei até aqui, essas já são amplamente discutidas, faltando apenas um pouco de iniciativa para serem postas em prática.


Referências

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Ed. Ridendo Castigat Mores, 2001. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_08/e-books/dos_delitos_e_das_penas.pdf>; Acesso em: 04 de mar. 2013.

RESSEL, Sandra. EXECUÇÃO PENAL: Uma visão humanista. Discussão sobre as penas aplicadas e sua execução. Propostas para uma execução penal humanista. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2305>; Acesso em: 04 de mar. de 2013.

HUGO, Victor. Os Miseráveis. São Paulo: Ed. Scipione. 2011

A Outra História Americana. Roteiro de David Mckenna, direção de Tony Kaye. Los Angeles (USA): New Line Cinema, 1998. Arquivo Digital (119 min.): Digital, Ntsc, son., color., Legendado. Port.

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