Krugman, em sua coluna, desmente duas teorias inventadas para explicar o colapso econômico que a Europa enfrenta hoje. Uma das teorias desmentidas é sobre os problemas de má gestão fiscal, que uma forte corrente alemã utiliza para explicar a crise. Mas a principal ideia desmentida é sobre a culpabilidade das políticas sociais ou ajuda-pobres, como alguns preferem erroneamente chamar, na crise.
O Partido Republicano está utilizando largamente esse última teoria, para criar uma tensão e medo de uma nova crise maior e incontrolável em território estadunidense. Tal fator também começa a imperar em algumas correntes ideológicas brasileiras, que já começam a pensar as políticas sociais como um fardo, que levará o Brasil para dentro de uma crise catastrófica nos próximos anos.
Paul Krugman elaborou uma argumentação extraordinária desmentindo esse fato, além de demonstrar uma teoria muito mais aceitável para explicar a forte crise europeia. Segue o Texto na íntegra, com tradução de Clara Allain, da Folha:
As coisas estão terríveis aqui, na medida em que o desemprego passa dos 13%. Estão ainda piores na Grécia, Irlanda e, pode-se considerar, na Espanha, enquanto a Europa como um todo parece estar escorregando de volta para uma recessão.
Por que a Europa tornou-se o doente da economia mundial? Todo o mundo conhece a resposta. Infelizmente, o que a maioria das pessoas sabem não é verdade - e as histórias falsas sobre os problemas da Europa estão distorcendo nosso discurso econômico.
Leia um artigo de opinião sobre a Europa - ou, como demasiada frequência, um artigo noticioso supostamente factual - e você provavelmente topará com uma de duas narrativas, que eu vejo como sendo a narrativa republicana e a narrativa alemã. Nenhuma das duas se enquadra com os fatos.
A narrativa republicana - ela é um dos temas centrais da campanha de Mitt Romney - afirma que a Europa está tendo problemas porque fez demais para ajudar os pobres e as pessoas sem sorte. De acordo com ela, estamos assistindo aos estertores de morte do Estado de bem-estar social. Vale lembrar que esta narrativa é uma favorita eterna da direita: em 1991, quando a Suécia sofreu uma crise dos bancos suscitada pela desregulamentação (isso soa familiar?), o Instituto Cato publicou um artigo em tom triunfal afirmando que isso comprovava a falência de todo o modelo do Estado de bem-estar social.
Será que mencionei que a Suécia, que ainda é um Estado de bem-estar social muito generoso, hoje tem desempenho econômico estelar, com crescimento mais acelerado que o de qualquer outra nação rica?
Mas façamos isto de modo sistemático. Vamos analisar os 15 países europeus que usam o euro (deixando de lado Malta e Chipre) e colocá-los em um ranking, segundo a porcentagem do PIB que gastavam com programas sociais antes da crise. Os países GIPSI (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália), que estão com problemas, se destacam por serem Estados de bem-estar social especialmente importantes? Não. Apenas a Itália figurou entre os primeiros cinco, e mesmo assim seus gastos sociais foram menores que os da Alemanha.
Logo, gastos sociais excessivos não foram a causa dos problemas.
Próximo tópico: a narrativa alemã, que atribui todos os problemas à irresponsabilidade fiscal. Essa narrativa parece encaixar-se bem com a Grécia, mas com nenhum outro país. A Itália teve déficits nos anos que antecederam a crise, mas foram apenas um pouco maiores que os da Alemanha (a grande dívida italiana é legado de políticas irresponsáveis seguidas muitos anos atrás). Os déficits de Portugal foram significativamente menores; a Espanha e a Irlanda na realidade tiveram superávits.
Outra coisa a lembrar: países que não usam o euro parecem ser capazes de suportar déficits grandes e dívidas grandes sem enfrentar crises. O Reino Unido e os Estados Unidos conseguem contrair empréstimos de longo prazo a juros de aproximadamente 2%. O Japão, muito mais endividado que qualquer país da Europa, incluindo a Grécia, paga apenas 1%.
Em outras palavras: a "helenização" de nosso discurso econômico, segundo a qual estamos todos a apenas um ou dois anos de déficits de distância de nos tornarmos outras Grécias, está totalmente equivocada.
Então qual é de fato o problema da Europa? A verdade é que o problema é principalmente monetário. Ao introduzir uma moeda única sem as instituições necessárias para fazer essa moeda funcionar, a Europa, na prática, reinventou os defeitos do padrão ouro, defeitos esses que exerceram um papel importante em provocar e perpetuar a Grande Depressão.
Mais especificamente, a criação do euro fomentou entre os investidores privados um senso falso de segurança, desencadeando fluxos enormes e insustentáveis de capital para nações da periferia da Europa. Como consequência desses fluxos, os custos e preços subiram, o setor manufatureiro se tornou pouco competitivo, e países que tinham mais ou menos equilibrado importações e exportações em 1999 começaram, ao invés disso, a apresentar grandes déficits comerciais. Então a música parou de tocar.
Se os países periféricos ainda tivessem suas próprias moedas, poderiam recorrer à desvalorização delas para restaurar a competitividade rapidamente. Mas não têm suas próprias moedas, e por essa razão têm pela frente um período longo de desemprego em massa e deflação lenta e sofrida. Suas crises de dívida são principalmente subprodutos dessa perspectiva triste, porque economias deprimidas levam a déficits orçamentários, e a deflação amplia a carga de dívida.
Agora, compreender a natureza dos problemas da Europa traz para os próprios europeus benefícios apenas limitados. Os países afetados, em especial, só contam com escolhas ruins: ou sofrem as dores da deflação ou tomam a medida drástica de sair do euro, algo que não será politicamente viável a não ser que todo o resto fracassar (a Grécia parece estar se aproximando desse ponto rapidamente). A Alemanha poderia ajudar, revertendo suas próprias políticas de austeridade e aceitando uma inflação mais alta, mas ela não quer.
Para nós, não europeus, contudo, compreender corretamente o que aflige a Europa faz uma diferença tremenda, porque histórias falsas sobre a Europa estão sendo usadas para defender políticas que seriam cruéis, destrutivas ou as duas coisas. Na próxima vez em que você ouvir pessoas evocando o exemplo europeu para exigir que destruamos nossa rede de seguridade social ou cortemos gastos numa economia profundamente deprimida, saiba de uma coisa: elas não sabem do que estão falando.
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