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27 de fevereiro de 2012

Qual é o problema da Europa?

Hoje a Folha (que continua a me impressionar com algumas das suas colunas, demonstrando uma clara mudança do seu histórico conservador direitista), publicou uma coluna de Paul Krugman, vencedor do Nobel de Economia em 2008, colunista do The New York Times e professor da Universidade de Princeton.

Krugman, em sua coluna, desmente duas teorias inventadas para explicar o colapso econômico que a Europa enfrenta hoje. Uma das teorias desmentidas é sobre os problemas de má gestão fiscal, que uma forte corrente alemã utiliza para explicar a crise. Mas a principal ideia desmentida é sobre a culpabilidade das políticas sociais ou ajuda-pobres, como alguns preferem erroneamente chamar, na crise.

O Partido Republicano está utilizando largamente esse última teoria, para criar uma tensão e medo de uma nova crise maior e incontrolável em território estadunidense. Tal fator também começa a imperar em algumas correntes ideológicas brasileiras, que já começam a pensar as políticas sociais como um fardo, que levará o Brasil para dentro de uma crise catastrófica nos próximos anos.


Paul Krugman elaborou uma argumentação extraordinária desmentindo esse fato, além de demonstrar uma teoria muito mais aceitável para explicar a forte crise europeia. Segue o Texto na íntegra, com tradução de Clara Allain, da Folha:

 As coisas estão terríveis aqui, na medida em que o desemprego passa dos 13%. Estão ainda piores na Grécia, Irlanda e, pode-se considerar, na Espanha, enquanto a Europa como um todo parece estar escorregando de volta para uma recessão. 

Por que a Europa tornou-se o doente da economia mundial? Todo o mundo conhece a resposta. Infelizmente, o que a maioria das pessoas sabem não é verdade - e as histórias falsas sobre os problemas da Europa estão distorcendo nosso discurso econômico.
Leia um artigo de opinião sobre a Europa - ou, como demasiada frequência, um artigo noticioso supostamente factual - e você provavelmente topará com uma de duas narrativas, que eu vejo como sendo a narrativa republicana e a narrativa alemã. Nenhuma das duas se enquadra com os fatos. 

A narrativa republicana - ela é um dos temas centrais da campanha de Mitt Romney - afirma que a Europa está tendo problemas porque fez demais para ajudar os pobres e as pessoas sem sorte. De acordo com ela, estamos assistindo aos estertores de morte do Estado de bem-estar social. Vale lembrar que esta narrativa é uma favorita eterna da direita: em 1991, quando a Suécia sofreu uma crise dos bancos suscitada pela desregulamentação (isso soa familiar?), o Instituto Cato publicou um artigo em tom triunfal afirmando que isso comprovava a falência de todo o modelo do Estado de bem-estar social. 

Será que mencionei que a Suécia, que ainda é um Estado de bem-estar social muito generoso, hoje tem desempenho econômico estelar, com crescimento mais acelerado que o de qualquer outra nação rica? 

Mas façamos isto de modo sistemático. Vamos analisar os 15 países europeus que usam o euro (deixando de lado Malta e Chipre) e colocá-los em um ranking, segundo a porcentagem do PIB que gastavam com programas sociais antes da crise. Os países GIPSI (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália), que estão com problemas, se destacam por serem Estados de bem-estar social especialmente importantes? Não. Apenas a Itália figurou entre os primeiros cinco, e mesmo assim seus gastos sociais foram menores que os da Alemanha.
Logo, gastos sociais excessivos não foram a causa dos problemas. 

Próximo tópico: a narrativa alemã, que atribui todos os problemas à irresponsabilidade fiscal. Essa narrativa parece encaixar-se bem com a Grécia, mas com nenhum outro país. A Itália teve déficits nos anos que antecederam a crise, mas foram apenas um pouco maiores que os da Alemanha (a grande dívida italiana é legado de políticas irresponsáveis seguidas muitos anos atrás). Os déficits de Portugal foram significativamente menores; a Espanha e a Irlanda na realidade tiveram superávits. 

Outra coisa a lembrar: países que não usam o euro parecem ser capazes de suportar déficits grandes e dívidas grandes sem enfrentar crises. O Reino Unido e os Estados Unidos conseguem contrair empréstimos de longo prazo a juros de aproximadamente 2%. O Japão, muito mais endividado que qualquer país da Europa, incluindo a Grécia, paga apenas 1%.
Em outras palavras: a "helenização" de nosso discurso econômico, segundo a qual estamos todos a apenas um ou dois anos de déficits de distância de nos tornarmos outras Grécias, está totalmente equivocada. 

Então qual é de fato o problema da Europa? A verdade é que o problema é principalmente monetário. Ao introduzir uma moeda única sem as instituições necessárias para fazer essa moeda funcionar, a Europa, na prática, reinventou os defeitos do padrão ouro, defeitos esses que exerceram um papel importante em provocar e perpetuar a Grande Depressão. 

Mais especificamente, a criação do euro fomentou entre os investidores privados um senso falso de segurança, desencadeando fluxos enormes e insustentáveis de capital para nações da periferia da Europa. Como consequência desses fluxos, os custos e preços subiram, o setor manufatureiro se tornou pouco competitivo, e países que tinham mais ou menos equilibrado importações e exportações em 1999 começaram, ao invés disso, a apresentar grandes déficits comerciais. Então a música parou de tocar. 

Se os países periféricos ainda tivessem suas próprias moedas, poderiam recorrer à desvalorização delas para restaurar a competitividade rapidamente. Mas não têm suas próprias moedas, e por essa razão têm pela frente um período longo de desemprego em massa e deflação lenta e sofrida. Suas crises de dívida são principalmente subprodutos dessa perspectiva triste, porque economias deprimidas levam a déficits orçamentários, e a deflação amplia a carga de dívida. 

Agora, compreender a natureza dos problemas da Europa traz para os próprios europeus benefícios apenas limitados. Os países afetados, em especial, só contam com escolhas ruins: ou sofrem as dores da deflação ou tomam a medida drástica de sair do euro, algo que não será politicamente viável a não ser que todo o resto fracassar (a Grécia parece estar se aproximando desse ponto rapidamente). A Alemanha poderia ajudar, revertendo suas próprias políticas de austeridade e aceitando uma inflação mais alta, mas ela não quer. 

Para nós, não europeus, contudo, compreender corretamente o que aflige a Europa faz uma diferença tremenda, porque histórias falsas sobre a Europa estão sendo usadas para defender políticas que seriam cruéis, destrutivas ou as duas coisas. Na próxima vez em que você ouvir pessoas evocando o exemplo europeu para exigir que destruamos nossa rede de seguridade social ou cortemos gastos numa economia profundamente deprimida, saiba de uma coisa: elas não sabem do que estão falando. 

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