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6 de outubro de 2012

UME METAMORFOSE DE INTERPRETAÇÕES

Escrita em 1912 e publicada em 1915, a notável novela A Metamorfose, do escritor tcheco Franz Kafka, continua inspirando reflexões sobre a sociedade extremamente supérflua em que vivemos, mesmo um século após sua criação.


Kafka (1883 – 1924), um dos maiores escritores da literatura moderna, tinha como marca registrada em seus livros os conflitos existências, sendo ele próprio o protagonista da maior parte de suas obras, apenas escondido por uma alcunha que continha uma referência implícita ao seu verdadeiro nome.

A Metamorfose é sua obra mais popular, e apesar de não ser seu principal escrito, traduz de maneira intensa e objetiva tudo que há de mais marcante no universo kafkiano, como solidão, alienação, angústia e impotência perante as circunstâncias.

Só para que possamos nos situar em relação à história, farei aqui um brevíssimo resumo do livro.

Gregor Samsa sustenta seus pais e sua irmã trabalhando como caixeiro-viajante, até que um dia acorda metamorfoseado em um inseto abominável (no livro não está explícito em qual inseto ele se transforma, mas é dedutível que seja uma barata, então o trataremos como barata). É a partir desta situação grotesca que tudo se desenvolve.
O curioso é que Gregor se acomoda com certa facilidade à sua nova condição, sendo seus maiores transtornos a perda da capacidade de falar e a possibilidade de perder seu emprego (e consequentemente o sustento de sua família). Porém, essa mesma naturalidade de aceitação da nova condição de Gregor não se aplica à sua família, que o abomina e o rejeita, cheios de asco perante a monstruosa forma que Gregor assumiu, obrigando-o a superar todos os obstáculos de sua metamorfose na solidão e clausura de seu quarto.

No entanto, com a perda do sustento financeiro que era proveniente de Gregor, a família Samsa se vê obrigada a buscar outras formas de custear suas necessidades, e é a partir deste momento que começam a trabalhar e a alugar alguns cômodos da casa para gerar renda.


Partindo dos temas-base que acabei de citar neste resumo, iremos agora discutir quais as relações que A Metamorfose possui com os dias de hoje, o que é possível absorver de conhecimento desta obra e o quão profundo é seu conteúdo, que muitas vezes é menosprezado por se tratar de uma obra relativamente curta.


Primeiro iremos analisar a fácil aceitação de Gregor perante seu novo estado físico. Atualmente, vivemos em uma sociedade que nos trata como insetos insignificantes, e essa fácil aceitação pelo fato de ter se transformado em uma barata pode ser entendida como a personificação de um estado mental deturpado, consequência da podridão social que nos cerca.

Porém, também nos é possibilitado o entendimento de que a barata, nada mais é, do que a pessoa “diferente”, ou seja, aquela minoria oprimida, que por não compactuar com o comportamento e o estilo de vida predominante, são vítimas do preconceito de pessoas que possuem uma visão estritamente superficial dos outros. Mas percebam que, quem é “diferente” (por exemplo, homossexuais, ateus, prostitutas, etc), não vê problema algum consigo mesmo, se aceitam da maneira que são, tem ciência de que são pessoas autênticas, que apenas expõem as suas verdadeiras personalidades e convicções, e que o maior problema disto não é nem causado por eles, e sim pelas maiorias intolerantes, que tem uma objeção absurda em aceitar o que, apesar de diferente, não está em busca de prejudicar nada nem ninguém, mas apenas de liberdade de expor seus pensamentos ou sentimentos.

Em segundo lugar trataremos da perda da fala. Muitas vezes nos sentimos incapacitados de nos expressar, ou o que é pior, as pessoas parecem incapazes de nos compreender. E com propriedade, posso dizer que o Homo Sapiens possui uma habilidade muito desenvolvida em ignorar o que é dito à sua volta, tendo em vista há quanto tempo somos alertados dos efeitos nocivos da alta emissão de CO2 na atmosfera, das tragédias trazidas pelas guerras, pelos despotismos, pelas tiranias, entre inúmeros outros comportamentos idiotas que são peculiaridades desta nossa distinta espécie animal.


Outro fator condizente com nossa realidade atual é o medo que Gregor sente de perder seu emprego, superando até mesmo a preocupação com seu novo aspecto físico medonho. Apesar de, a priori, isso parecer um tanto quanto absurdo, se transpassarmos essa situação para o nosso cotidiano, veremos que isso ainda acontece muito, como é o caso das pessoas que se dedicam com tamanho afinco ao seu emprego (principalmente por medo de perdê-lo), que acabam deixando em segundo plano sua própria saúde, preferindo ir trabalhar a se tratar, enquanto possuem uma mínima condição de exercer suas tarefas.


O comodismo é outro dos aspectos marcantes desta obra, que tem como um exemplo muito nítido a família Samsa, a qual se mantinha satisfeita com sua condição de vida, que era sustentada (até o momento da metamorfose) por Gregor. Após ver a impossibilidade de trabalhar que a nova forma de Gregor lhe impôs, a família Samsa se vê obrigada a buscar outras formas de sustento, ou seja, nesse ponto há uma inversão de papéis, onde Gregor torna-se um encargo, enquanto sua família passa a ser a fonte de sustento do lar e mantenedora de Gregor.

Por fim, tratarei do aspecto que julgo mais relevante em relação às condições sociais em que vivemos atualmente, a intolerância familiar ante a incompatibilidade dos comportamentos de um filho para com os hábitos padrões dos outros membros da família.

Como eu havia dito anteriormente, podemos interpretar a forma metamorfoseada de Gregor como se fosse uma pessoa vítima de algum preconceito nos dias de hoje. Vivemos em um meio social extremamente superficial, que julga sem base, que está condicionado a ver apenas as características externas das pessoas e que forma uma opinião tendo como base apenas suas crenças particulares.

Neste contexto, a família nada mais é do que uma versão em tamanho menor da sociedade. Grande parte dos núcleos familiares se dissolve no momento que um filho se mostra “diferente”, optando pela exclusão ao invés da compreensão, e como a sociedade nada mais é do que a junção das famílias, temos o reflexo disso na atual situação social que estamos vivendo, ou seja, um meio sociocultural intolerante e inflexível.

Se a pessoa que ler A Metamorfose souber interpretá-lo de maneira adequada, será com certeza um excelente livro para entender os sentimentos das minorias oprimidas, o que pode fazer com que as pessoas aprendam a ser mais tolerantes com as diferenças, por saber o quão difícil é o sentimento de rejeição, principalmente quando esta rejeição vem da própria família.

Para finalizar, A Metamorfose é um livro que possibilita a cada leitor um entendimento e uma compreensão diferente dos fatos, já que não se trata de uma obra que objetiva dar respostas aos nossos questionamentos, mas sim, induzir à reflexão e a introspecção.

Portanto, se você busca uma leitura tranquila e alegre, sugiro que se distancie ao máximo de Franz Kafka! Porém, se você procura por algo que lhe mostre uma visão nua e crua das dores e dos sentimentos oprimidos que uma pessoa é capaz de suportar, Kafka é o autor ideal, e A Metamorfose é uma entrada de gala para o perturbador universo kafkiano.


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